O INEXORÁVEL TEMPO

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Opinião

Temporada de Premiações

Por Caroline Araújo

 

Tempo é a duração dos fatos, é o que determina os momentos, os períodos, as épocas, as horas, os dias, as semanas, os séculos. A noção em senso comum de tempo é inerente ao ser humano, visto que todos somos, em princípio, capazes de reconhecer e ordenar a ocorrência dos eventos percebidos pelos nossos sentidos. Contudo a ciência evidenciou várias vezes que nossos sentidos e percepções são mestres em nos enganar.  A passagem do século XIX para o XX marcou um novo enquadramento do homem dentro do espaço que o circundava. Temos “outro sujeito”, detectado por Baudelaire (1991) como um homem que vagueia cercado de espelhos, cercado de imagens. O homem de Baudelaire me remete a Belting e sua filosofia da Imagem:

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“A pessoa humana é naturalmente um lugar de imagens. Porque a pessoa humana é um organismo vivo. Acontece que a gente esquece as imagens. A gente as recebe, mas são efêmeras, pois elas desaparecem em nosso corpo, apesar de todo aparato tecnológico existem hoje. As imagens vêm e vão, tem um movimento vivo, pois nós somos um lugar privilegiado delas. O ser humano que falo, não é do ser humano de ponto de visto universal ou local, o humano aqui empregado e que o que nos torna diferente são as imagens que produzimos.” (BELTING, 2005, p. 65)

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O cinema recria a noção de tempo e espaço, além de estabelecer novos parâmetros na relação homem-máquina. “Como essa estranha máquina (cinematógrafo) de austeros cientistas virou uma máquina de contar estórias para enormes plateias, de geração em geração, durante já quase um século?” (BERNARDET, 1980, p.12).

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Quando pensamos nesses novos parâmetros de espaço tempo, Podemos considerar aqui, nesse contexto, o cinema, como à ideia de um código que vai além de seus limites pré-estabelecidos para se expressar, esgarçando suas possibilidades através do desenvolvimento da experimentação, do incorporar de novas referências e novas materialidades, “de adotar os mais diversos procedimentos em seu fazer, enfim, da possibilidade de se lançar mão de especificidades próprias de diferentes meios para viabilizar uma ideia” (YOUNGBLOOD, 1970, p.41-42) ou ideias.

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E é isso que Denis Villeneuve faz com o espectador, ao abordar de forma “esgarçada” a noção de temporalidade dentro de um plot twist surpreendente em seu mais novo filme, o fantástico “ARRIVAL – A Chegada”(2016). Em 2010 quando Denis começou a chamar a atenção mundial com seu “Incêndios”, adaptado da peça teatral destruidora de Wajdj Mouawad ele lançou uma pedra de fundamento do que seria seu trabalho. “Incêndios” para mim, figura como um dos filmes mais dolorosos e ao mesmo instante, fabuloso que já vi (postei a crítica em 2011 sobre). Curiosamente seu protagonista era uma mulher. Em 2015 em “SICARIO”, outra vez mais um filme forte, não como “Incêndios”, mas com uma protagonista a altura. Com “ARRIVAL”, Denis cria uma obra – prima da cinematografia mundial e permite que Amy Admas simplesmente ensurdeça a tela com uma performance profundamente bela em um dos melhores papéis femininos dos últimos tempos.

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Uma das marcas de Villeneuve é abordar de maneira inteligente várias temáticas, sem ser didático, permitindo que o espectador tenha uma digestão visual lenta, e ao mesmo tempo, deixando muita coisa para ser discutida e interpretada ao fim da sessão. Sempre sóbrio nas escolhas, uma apuro técnico como poucos, assim como outro super diretor Damien Chazelle; nenhuma escolha esta na tela por acaso. Foram pensadas, estrategicamente abordadas e costuradas com uma capacidade ímpar de direção de atores.

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“ARRIVAL” é mais que uma ficção científica. Muito mais. Alias, essa classificação, para mim, não convém. O mote da propalada invasão alienígena é apenas um catalisador de situações que vão criar o substrato para que o roteiro habilmente escrito de Eric Heisserer.

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Amy é Dra. Louise Banks, uma linguista recrutada pelo exercito americano para tentar estabelecer contato com os alienígenas que aportaram em uma Nave em forma de concha em Montana e em outras 11 localidade ao redor do globo. Com uma mensagem para alguns utópica e otimista de união mundial, consegue imprimir tensão na reação humana ao desconhecido inesperado de forma fantástica.

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Utilizando dentro da linha de montagem os bem inseridos “falshbacks” que mais tarde torna-se outra coisa, a fotografia de Bradford Young intensifica a tensão dramática existente em super close claustrofóbicos, câmeras fechadíssimas, criando uma “palíndromo” metalinguístico de imagem, “não apenas para provocar o espectador, mas também para despertar sua inteligência crítica” (STAM, 1981, p.23). Alguns plano claramente espelhados em obras de Terrence Malick, são surpresas a parte.

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A infraestrutura narrativa, é o próprio plot twist da história em si. Quando, somos jogados na informação de que a barreira linguística de Banks remete a compreensão do tempo em quanto algo cíclico e inexorável, o filme se reestrutura em nossas mentes. Não dá para classificar, o presente – passado e futuro, senão a própria representação das escritas que Banks tenta desvelar. E Denis, em metáfora elíptica apresenta os conceitos em blocos soltos que a medida que nos aproximamos do fim, conseguimos preencher as lacunas. “Imagens são mediações entre homem e mundo. O homem “existe”, isto é, o mundo não lhe é acessível imediatamente. Imagens têm o propósito de representar o mundo. Mas, ao fazê-lo, entrepõem-se entre mundo e homem. Seu propósito é serem mapas do mundo, mas passam a serem biombos. O homem, ao invés de se servir das imagens em função do mundo, passa a viver em função de imagens” (FLUSSER, 1983. P.7).

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Elegante, dolorido, profundo. Um parto. Talvez exatamente por se assemelhar a um parto, para mim, tenha sido tão intenso. Senti as angustias, medos e duvidas de Banks. Senti sua dor. Senti que seu coração. O tempo, nos atravessa. Nos muda. Transforma. Merecedor de cada indicação, e fortíssimo candidato a melhor filme do ano.

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Opinião

Por Caroline Araújo

Levei um certo tempo para digerir de forma correta a nova incursão cinematográfica de um dos diretores queridinhos do momento David. O. Russell. De fato, o trabalho que O. Russell vem fazendo desde “O Vencedor”, passando pelo “O Lado Bom da Vida” e aportando em “American Hustler” nos demonstra a densidade existente na simplicidade, simplicidade esta na qual o diretor direciona sua lente para extrair boas e bem trabalhadas narrativas.

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“AMERICAN HUSTLER – TRAPAÇA” (2013) é um impressionante trabalho de design de produção, ao mesmo tempo em que percebemos que David vem se reinventando a cada novo filme, como forma a demostrar suas nuances de direção, conseguindo com sua câmera virtuosa dissecar seus personagens de maneira surpreendente. Não a toa que ao se reinventar de quebra nos demonstra ser um dos mais exímios diretores de atores da atualidade. Desde  1981 quando “REDS” recebeu as 4 indicações ao Oscar pelas atuações principais e coadjuvantes, nenhum outro filme havia conseguido tal feito.

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Com um elenco memorável capitaneado pelo competentíssimo Christian Bale e a sexy Amy Adams, trás a luz um Bradly Cooper excepcional e uma Jennifer Lawrence estonteante, somando ainda Jeremy Renner e Louis C.K com interpretações brilhantes, para contar a história que se passa num pós Vietnã, de dois trapaceiros que são forçados a cooperar com um agente do FBI que deseja derrubar uma série de políticos e mafiosos. São homens e mulheres que tentam ser mais felizes usando máscaras, recriando realidades onde podem ser quem desejarem sem serem julgados.

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Ninguém é inocente. A dicotomia de Mocinhos e vilões, entre o desprezo e a simpatia operam numa realidade aumentada. Tudo esta um tom acima da normalidade, num estilo hiperbólico de Martin Scorsese como o feito em “Os bons Companheiros” (1990).  O Roteiro de O. Russell e Eric Singer traz uma vasta oferta de diálogos competentes, memoráveis, que se tornam impressionantemente bem executados com o elenco grandioso, que se entrega nessa odisseia de enganadores.  A trilha sonora cirurgicamente escolhida, completa o sentido de que tudo o que se vê na tela tem um outro sentido, usando a mesma técnica de Paul Thomas Anderson feita com maestria em “Boogie Nights”. “Jeep’s Blues” de Duke Ellington faz parte do álbum “Ellington at Newport” onde se credita a renovação da carreira do compositor, da mesma maneira que ao utilizá-la como musica tema para os personagens de Bale e Adams, O. Russell nos dá a pista de que eles vivem nessas máscaras justamente porque precisam reinventar suas vidas.

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 Tudo isso sem contar no figurino trabalhado por Michael Wikinson, que transforma nossos atores em personagens únicos, singulares, e com brilhos particulares, de forma fabulosa. É engraçado perceber a “ciclicidade” das coisas. O. Russell recebe indicações por um filme onde claramente vemos escolhas “Scorseseanas”, onde assim como o Mestre Scorsese produz um filme onde a realidade aumentada nos faz invadir a alma de personagens incomuns ao mesmo tempo simples, densos no mesmo instante em que suas ambições e atitudes são moralmente rasas. E com Scorsese trava um belo duelo de direção, na disputa do Oscar 2014. Porém, não é seu melhor trabalho. Mas sim, sua melhor produção.

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A linha que tece e que alinhava todo o projeto fílmico de O. Russell é impecável. Certamente. Mas ainda falta um “Q” para esse diretor estadunidense, dissecador de personagens loucos depressivos comuns no cotidiano de viver, ou tentar viver, o fadado “sonho americano”. Se existe algo de excepcional em “AMERICAN HUSTLER” são as atuações mais que competentes. Bale, Adams, Cooper e Lawrence são quatro cavaleiros que duelam de forma graciosa.  O que é falso? a gente vê a realidade que queremos de fato enxergar.

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