O silêncio é definitivo.

O-Irlandês

Opinião

por Caroline Araújo

Eisenstein pontuou em sua obra “A Forma” que para conseguir voar o homem estudou atentamente o movimento das asas dos pássaros. E ao se dar conta das múltiplas funções que elas desempenham durante o voo, pensou que através da junção, da montagem dessas partes em uma outra ordem, poderia criar algo que pudesse ajudar o homem a voar. Surgiu assim o avião. Trazendo esse pensamento para o mundo da arte; para criar uma obra de arte, para conhecer e transformar a realidade através da arte, o homem deve trabalhar assim como trabalhou para inventar o avião. Arlindo Machado (1997) aponta que a arte do movimento nasce e se mantém até hoje sob os signos da revolução e do experimentalismo. Entre os tempos transcorridos dos primórdios da imagem movimento até a era digital, o campo cinematográfico sofreu transformações que modificaram expressões técnicas, estéticas e conceituais.

netflix-o-irlandes-filme-oscar-robert-de-niro-al-pacino-divulgacao-min_fixed_large

Entender como essas transformações podem auxiliar no labor das narratividades que seguem no campo cinematográfico, é compreender em si o conceito da imagem em movimento (consumidora de tempo) que nasce da superposição ou contraponto de duas diferentes imagens imóveis. Parece fácil. Apenas parece. A métrica de um filme é justamente a equação da junção das tais partes do pássaro para compor um todo. Se uma dessas partes estiver em desalinho, não se voa. No caso do filme, não se sustenta.

o-irlandc3aas-2-1

A sustentação fílmica não é simples. Um filme é uma obra de arte totalmente artesanal, onde aquele cuja a alcunha de diretor carrega, dosa, cada parte desse todo de forma a criar um vinculo, um tom, um ritmo, uma continuidade, um todo. Ao longo de mais de 5 décadas dedicadas ao ato cinematográfico, Martin Scorsese personifica, aqui uma espécie de artesão dessa indústria cinematográfica, pois, remodelou na década de 70 do século passado os filmes sobre gânsgster.

o-irlandes

Atmosfera que opera com uma sinergia sem igual, mistura sua própria constituição enquanto Nova Yorquino, descendente de italianos , e extremamente devoto a Igreja católica. Em 1972 dirigiu “Boxcar Bertha” que o ensinou a fazer filmes baratos e depressa, preparando-o para o seu primeiro filme com Robert De Niro e Harvey Keitel, “Mean Streets”, de 1973. Desse momento em diante, esse filho de migrantes, sabia, o que ele poderia fazer com uma câmera. A identificação de Scorsese com o mundo marginalizado de Nova York cedeu espaço para a construção de obras como “Taxi Driver”(1976), “Os Bons Companheiros”(1990), “Cassino” (1995), “Gangues de Nova York” (2002), “Os Infiltrados” (2006) e o “Lobo de Wall Street”(2013). Em todos esses títulos citados, Scorsese sabia muito bem que se você tem um bom conflito, você consegue operar as partes do todo para construir a obra que se pretende.

o-irlandes

Em seu mais novo trabalho “The Irshman – O Irlandês” (2019), Scorsese pontua de forma mais específica o universo da máfia, sem sopapos ou odes sanguilonetas, contudo, extremamente carregada e melancólica. Resignado e brutalmente açoitado pelas memórias melancólicas das escolhas feitas que guiaram seu caminhos, temos um Frank Scheeran, interpretado por Robert De Niro que personifica a culpa e o pecado em carne e osso. Essa melancolia esta presente na ótima fotografia que explora os tons frios, nos excelentes momentos de silencio que De Niro possui, onde vemos pelas suas expressões como ela vai carcomendo as relações humanas, que vão sendo descartadas feito cartas de baralho, de acordo com as traições entre os individuos da história.

robert_de_niro_al_pacino_e_ray_em_o_irlandes_widelg

O trabalho de Scorsese para além do pulso firme na direção e fiel a própria cartilha construída de como se fazer bons filmes de mafiosos, foi ter reunido três monstros de atuação inigualáveis: De Niro, Joe Pesci e Al Pacino. Assistimos na tela, em especial na sequência do jantar de premiação de Frank ( com muitas familiaridades com outra obra de Scorsese “Cassino”), uma verdadeira aula de interpretação. Não foi a toa que Pesci, saiu da aposentadoria para fazer este trabalho. Pacino explode. Grandiosamente. Um furacão personificando Jimmy Hoffa. E Pesci é mais que excelente. Minimalista na pele do chefe da família criminosa da Pensilvânia, Russel Bufalino, que transforma Frank no seu próprio hitman.

20191128050048362688e

Scorsese, retoma Eisenstein, quando distribui bem as 3h e 30 minutos de sua obra e trabalha com combinações emocionais, não apenas com os elementos visíveis dos planos, mas principalmente com cadeias de associações psicológicas, na montagem feita por Thelma Schoonmaker, sua parceira de mais de 30 anos de carreira. Observamos uma vida inteira (de Frank) fluindo através das décadas, seguramos na mão dele e o acompanhamos em seu calvário. Temos um trabalho maduro, que encena vários filmes possíveis dentro de um só, que extrapola a própria tela nos extra campos, justapondo planos em conflito e gerando significado. Uma aula de cinema, na pura essência da imagem movimento.

Amor Líquido

MV5BZGVmY2RjNDgtMTc3Yy00YmY0LTgwODItYzBjNWJhNTRlYjdkXkEyXkFqcGdeQXVyMjM4NTM5NDY@._V1_UY1200_CR90,0,630,1200_AL_

Opinião por

Caroline Araújo

Socialmente vivemos uma pressão abominável sobre o que faz uma pessoa ser considerada de sucesso: Ter um bom emprego, conseguir ter férias maravilhosas, filhos lindos e educados, dinheiro sobrando, e lógicamente, casada, amando horrores e sendo amada. Conto de fadas. Não existe formula de felicidade. Ou para o amor. Essas duas “coisas”, na maioria das vezes são a força motriz da maior parte dos relacionamentos. Projeções que fazemos sempre como se a tal felicidade ou o amor estivessem necessariamente dependente de termos alguém. Bauman em sua Modernidade líquida coloca que o mundo está repleto de sinais confusos, de coisas voláteis, que mudam com rapidez e formas imprevisíveis e que com isso, os laços humanos tornaram-se frágeis.

Marriage-story-750x380

O Novo filme de Noah Baumbach não fala sobre laços humanos frágeis, pelo contrario. Ele transpassa pela objetiva de Robbie Ryan, a fragilidade em nos doamos por completo numa relação, auscultando o outro, cedendo, e ao mesmo tempo construindo uma relação que seja forte e que faça com que as partes envolvidas tenham um porto seguro. “Marriage Story – História de um Casamento”(2019) que estreiou no inicio de dezembro na Netflix é extremamente tocante, realista, e cru. Cru num sentido sem romance.

2019_12_09_83344_1575863164._large

Uma abertura afetuosa prepara o terreno para uma densa troca de amor entre os protagonistas Charlie ( Adam Drive) e Nicole ( Scarlett Johansson). Digo troca de amor, porque no fundo, a ruptura de emoções que explode na tela, intensionalmente dolorosa e calculada pelo diretor, leva o espectador numa espiral de desencontros que ao mesmo tempo que distância nossos protagonistas, os aproximar, provendo belíssimos duelos de atuação que por si só valem o sofá com pipoca, falam o tempo inteiro sobre amor.

Brody-MarriageStory

“Marriage Story” conta-nos a história de duas pessoas que chegaram a um ponto das suas vidas em que o casamento e o amor que nutriam um pelo outro já não são fortes o suficiente para sustentar a união. E a única solução é o divórcio. O Interessante, é que começamos o filme com a análise individual de cada lado sobre o que mais amam um no outro. Temos a impressão que trata-se de uma separação que irá pela mediação e de forma amigável. Acontece, que como somos imperfeitos, o rancor que vez ou outra anda lado a lado com o tal amor abre a dúvida e entram os tais advogados e o divórcio de tribunal.

Marriage-Story-Director-Noah-Baumbach-GQME

É um filme de atuação. Sem sombras de dúvidas. Mas também de roteiro. Se não houvesse uma história boa escrita, nenhum dos atores conseguiria dar o máximo de si e brilhar da forma que brilharam. A Fotografia clean de Ryan alterna os planos fechados com planos abertos cujo foco sempre transcorre a atuação de quem esta na cena. Temos um filme maduro, verdadeiro, catártico, mas que no fundo tem uma certa esperança, pois esse fim de história que ele retrata trás na algibeira um recomeço para ambos os lados envolvidos. Temos metamorfose. Temos busca por compreender o sofrimento que se segue. Temos seres imperfeitos, cada qual em seu devido papel. Nenhum mais, nenhum menos. E mesmo, nesse fim, temos que um divórcio não é necessariamente o fim do sentimento, mas sim, sua transformação. Devir amor, como a personagem Nicole escreve no exercício terapêutico que não consegue ler, mas, no plot final o filho, objeto de disputa de casal trás a tona : “vou amá-lo para sempre, mesmo que não faça sentido”.

Excelente filme.

TODOS TEM TALENTO

star-is-born-poster

OPINIÃO

por Caroline Araújo

 

“O que você quer que o público sinta? Se ele sente exatamente o que você queria durante todo o filme, Você fez o máximo que poderia fazer. O que será lembrado não será a edição, a câmera as atuações; ou mesmo o enredo. Mas como o público sentiu tudo isso.” (MURCH, Walter. Num piscar de olhos, p.29,1995)

 

O melodrama surgiu no contexto histórico da Revolução Francesa, e suplantou a tragédia como gênero dominante. Ao contrário do que apregoam alguns críticos, a ascensão do melodrama não marcou a decadência da tragédia, mas a perda da imaginação trágica pela sociedade. A queda da realeza e o apogeu da burguesia marcaram o final do século XVIII na França. O poder real era marcado por um controle rígido sobre a política e a economia – e também sobre a produção cultural do período. Consta que o número de teatros passou de vinte e três, em 1791, para quarenta e quatro, em 1830. Outro ponto é que o governo reconhecia apenas os teatros de gêneros tradicionais, como a tragédia, sendo o melodrama naquele momento ocupante apenas dos teatros secundários, menos prestigiados mas com a popularidade pulsante.

a7b87007e0037d803b379a4bdb28942b-754x394

Em que consiste, afinal, o melodrama? Basicamente, em opor duas forças – o Bem e o Mal -, sendo que o Bem sempre apresenta a sua superioridade. Esse maniqueísmo norteia uma sociedade sem parâmetros de autoridade e, portanto, sem bússola moral. A burguesia não havia ainda tomado a posição anterior retirada da realeza à força. O excesso define o gênero. Os relacionamentos humanos evidenciam sua presença no sentimentalismo exacerbado, como: na separação de pais e filhos; no reconhecimento da paternidade; na revelação póstuma da injustiça perpetrada aos pais falecidos, e na herança moral incutida na prole (seja essa herança benigna ou não) e nas histórias de amor que labutam para se tornarem reais. A afetividade familiar cabe bem ao melodrama, pois seu fácil reconhecimento não precisa de maiores explicações, e é de geral empatia pelos espectadores.

nasce-uma-estrela-gaga

A atual refilmagem de um dos enredos mais clássicos do cinema, a ascensão de uma jovem estrela que estava renegada ao anonimato, traduz exatamente os apontamentos de Murch quando paramos para não apenas assistir o filme, mas senti-lo em sua amplitude completa. A história de Nasce uma Estrela é clássica, porque para além de ser a quarta refilmagem ( 1937, 1954 e 1976) é a completa personificação em formato audiovisual do melodrama clássico ao apropriar-se de certa forma de um conto de fadas: A gata borralheira, príncipe encantado ( até certo ponto) e o felizes para sempre ( durou o quanto pode) estão postos e colocados estrategicamente para guiar o espectador por essa espécie de fantasia atual.

nasce-uma-estrela-800x445

Ally (Gaga) é uma jovem cujo talento musical não se discute. Vai apresentando sua arte nos espaços que consegue, e trabalha duro para sobreviver. Jackson Maine (Bradley Cooper) é o astro rei. Solar, dono de uma voz aguda, escaldante como o calor do Arizona. Contudo, o apogeu onde se encontra não basta. Na verdade, ele vai vivendo sem um foco de fato, no modo piloto e envolto a tudo que a fama e dinheiro podem proporcionar. É ai que entra o sulfúrico efeito etílico. E esse declínio de vícios é nosso antagonista. “Talento todos têm. A diferença está em quem tem algo a dizer”, Maine explica sobre o que define uma estrela. E exatamente isso que ele faz com Ally. Escuta o que ela tem a dizer e ilumina de certa forma a estrada de tijolos para que ela possa seguir em frente.

nasce-uma-estrela8-1024x429

O que difere o novo Nasce uma Estrela, de outras películas que orbitam de certa forma uma narrativa parecida, é a obediência quase que total ao apontamento de Murch. O sentimento, a emoção trabalhada no publico de maneira tão hábil, eleva o poder desse filme e faz com que os tropeços técnicos, furos de roteiro ou a estreia numa direção dessa envergadura, passem despercebidos. A força de Nasce uma Estrela se encontra  em dois pontos: 1) nas canções fortes e marcantes que estão durante todo o filme, inclusive os melhores momentos do filme são exatamente nessas ocasiões. Não é a toda que “Shallow” não sai da sua cabeça depois de ouvir.

x78854303.jpg.pagespeed.ic.naarz7jd9_

2) Na incrível química entre Gaga e Cooper que transcende  a tela. A direção de Cooper acertou em muitos momentos, como a escolha Lady Gaga, cuja presença trouxe nuances, acordes e um certo naturalismo quando o roteiro apropria-se de fatos da própria história da cantora para criar pontos de adesão a narrativa. Ele sabe que está contando uma história marcante de Hollywood e deu à obra essa elevação. Vemos isso também direção de fotografia de Matthew Libatique, quando ela capta o apelo da performance pela perspectiva de quem está no palco e também do público. O filme não apenas diz que seus protagonistas são estrelas, mostra. Cores e muito flair vão preenchendo a imagem de maneira gradativa e precisa. A direção musical, somada ao alcance da voz de Gaga e o talento inesperado de Cooper como cantor, elevam essa constatação: o filme é um espetáculo e exprime toda a emoção que dialoga com o espectador na poderosa trilha sonora. É no palco, durante as canções, ou nos diálogos íntimos, que o filme se sobressai. A entrega dos atores, onde os personagens se desenvolvem em pequenos momentos catárticos, seja no palco ou dentro de um carro. Tudo interligado que vai alimentado a carga do melodrama que se desenvolve. Nasce uma Estrela alude a algo bem real. Para uma estrela para entregar o novo, outro tem que aceitar o choque do velho: esse filme transforma essa transação em uma história de amor. Entretanto, existem algumas derrapadas do roteiro, que se, retiramos a potência musical, e se não tivéssemos a química de Cooper e Gaga, com certeza seria apenas mais um filme feito e pouco visto.

lady-gaga-star-is-born

As vastas indicações recebidas nessa temporada de premiações, Golden Globe, SAG, Critic Choice demonstram o quanto Copper acertou. É um bom filme. E absolutamente é uma história que pela força musical conseguiu tocar mais fundo do que se espera ao entrar nas retinas dos espectadores. E claro, dentre as indicações ao Oscar , aposto que leva de melhor música, sem sombra de dúvidas.

A Expansão além da tela – DUNKIRK

dunkirk-poster-2349857-1

Temporada de Premiações

Opinião por Caroline Araújo

 

Imaginação é a capacidade de fazer e decifrar imagens. Do pré – cinema ao pós – cinema, tal como periodiza Arlindo Machado, a arte do movimento nasce e se mantém até hoje sob dois grandes signos: O da revolução e do experimentalismo. O diretor britânico Christopher Nolan depurou esses signos no decorrer de sua carreira, e foi alicerçando uma assinatura de direção milimétrica, onde o domínio da técnica é cirúrgico. Nolan tem uma ambição cinematográfica grandiosa, e talvez seja por isso que ele tenciona a si mesmo numa ritualização de surpreender a cada novo filme que lança, em qualquer gênero que se arrisque.

MV5BN2VhMGY3YWQtMGYwZC00ZmM5LTg2MzgtZGRlNWQ2MGE2MTNiXkEyXkFqcGdeQXVyMjM4OTI2MTU@._V1_

“DUNKIRK”(2017) que recentemente esta voltando as telas de cinema devido a temporada de premiações, reconta a batalha no porto de Dunquerque, conhecida como Operação Dínamo, num suspense que existe em função do frenesi do combate. Contudo, temos um filme de guerra em que praticamente não há sangue. Mas há bombas. Muitas. Constantes e ensurdecedoramente asfixiantes.

Beach-700

“Imagens não são conjuntos de símbolos com significados inequívocos, como o são as cifras: não são “denotativas”. Imagens oferecem aos seus receptores um espaço interpretativo: símbolos “conotativos” . (Flusser)

maxresdefault

Trabalhando a história fora da linearidade e da espacialidade – hora estamos no ar, hora no mar, hora na terra; Nolan pinta sua guerra com múltiplos pontos de vista, alheios até o momento em filmes do mesmo gênero, e brinca com a perspectiva de maneira magistral. Acompanhamos simultaneamente soldados na praia por uma semana, um barco de resgate por um dia e o caça pilotado por Tom Hardy por uma hora. Inclusive, essa disposição narrativa sutilmente coloca uma lupa em uma das maiores grandezas do cinema: Manipulação do tempo.

Christopher-Nolan-and-Harry-Styles-on-Dunkirk-set

O tempo, dentro de “Dunkirk” nos engole e dilacera. A força dele é uma amalgama perfeita entre a imagem plasticamente suja e o som que calcifica o terror psicológico da guerra. Do embarque de um pequeno veleiro civil às trocas protocolares de mensagens dos pilotos, pontos de partida da trama, tudo no filme é narrado com urgência pré-planejada e bem executada, dilatando momentos dramáticos com o sustento da trilha onipresente de Hans Zimmer. Alias, um dos pontos mais positivos desse filme e trazer a luz o trabalho sonoro que muitas vezes fica em planos inferiores. Impossível assistir a “Dunkirk” sem ser tocado pelo som que ele emana.

_92971292_harrydunkirk3_976

Com o mesmo arranque seco e cru que havia começado, o filme se encerra num triunfo mudo (sim) tateando imagens de personagens fitando o vazio. Mas não é simplesmente o vazio. Imaginem o terror que acabaram de passar. O que vale e muito aqui é pensar que O filme de Nolan nos mostra que o cinema ainda tem muito a expandir, porque ele fez um filme que cria a imagem tanto dentro do ecrã, quanto fora dele, entrando para um roll diminuto de obras grandiosas.

O INEXORÁVEL TEMPO

cp8v8n0vmaadzn6-jpg-large

Opinião

Temporada de Premiações

Por Caroline Araújo

 

Tempo é a duração dos fatos, é o que determina os momentos, os períodos, as épocas, as horas, os dias, as semanas, os séculos. A noção em senso comum de tempo é inerente ao ser humano, visto que todos somos, em princípio, capazes de reconhecer e ordenar a ocorrência dos eventos percebidos pelos nossos sentidos. Contudo a ciência evidenciou várias vezes que nossos sentidos e percepções são mestres em nos enganar.  A passagem do século XIX para o XX marcou um novo enquadramento do homem dentro do espaço que o circundava. Temos “outro sujeito”, detectado por Baudelaire (1991) como um homem que vagueia cercado de espelhos, cercado de imagens. O homem de Baudelaire me remete a Belting e sua filosofia da Imagem:

arrivalship

“A pessoa humana é naturalmente um lugar de imagens. Porque a pessoa humana é um organismo vivo. Acontece que a gente esquece as imagens. A gente as recebe, mas são efêmeras, pois elas desaparecem em nosso corpo, apesar de todo aparato tecnológico existem hoje. As imagens vêm e vão, tem um movimento vivo, pois nós somos um lugar privilegiado delas. O ser humano que falo, não é do ser humano de ponto de visto universal ou local, o humano aqui empregado e que o que nos torna diferente são as imagens que produzimos.” (BELTING, 2005, p. 65)

rehost%2f2016%2f11%2f7%2facd8d225-fe84-4a82-b41a-dcc734bba58e

O cinema recria a noção de tempo e espaço, além de estabelecer novos parâmetros na relação homem-máquina. “Como essa estranha máquina (cinematógrafo) de austeros cientistas virou uma máquina de contar estórias para enormes plateias, de geração em geração, durante já quase um século?” (BERNARDET, 1980, p.12).

arrival_military

Quando pensamos nesses novos parâmetros de espaço tempo, Podemos considerar aqui, nesse contexto, o cinema, como à ideia de um código que vai além de seus limites pré-estabelecidos para se expressar, esgarçando suas possibilidades através do desenvolvimento da experimentação, do incorporar de novas referências e novas materialidades, “de adotar os mais diversos procedimentos em seu fazer, enfim, da possibilidade de se lançar mão de especificidades próprias de diferentes meios para viabilizar uma ideia” (YOUNGBLOOD, 1970, p.41-42) ou ideias.

arrival-movie-4-e1471529984165

E é isso que Denis Villeneuve faz com o espectador, ao abordar de forma “esgarçada” a noção de temporalidade dentro de um plot twist surpreendente em seu mais novo filme, o fantástico “ARRIVAL – A Chegada”(2016). Em 2010 quando Denis começou a chamar a atenção mundial com seu “Incêndios”, adaptado da peça teatral destruidora de Wajdj Mouawad ele lançou uma pedra de fundamento do que seria seu trabalho. “Incêndios” para mim, figura como um dos filmes mais dolorosos e ao mesmo instante, fabuloso que já vi (postei a crítica em 2011 sobre). Curiosamente seu protagonista era uma mulher. Em 2015 em “SICARIO”, outra vez mais um filme forte, não como “Incêndios”, mas com uma protagonista a altura. Com “ARRIVAL”, Denis cria uma obra – prima da cinematografia mundial e permite que Amy Admas simplesmente ensurdeça a tela com uma performance profundamente bela em um dos melhores papéis femininos dos últimos tempos.

arrivalreview-story_647_112516043558

Uma das marcas de Villeneuve é abordar de maneira inteligente várias temáticas, sem ser didático, permitindo que o espectador tenha uma digestão visual lenta, e ao mesmo tempo, deixando muita coisa para ser discutida e interpretada ao fim da sessão. Sempre sóbrio nas escolhas, uma apuro técnico como poucos, assim como outro super diretor Damien Chazelle; nenhuma escolha esta na tela por acaso. Foram pensadas, estrategicamente abordadas e costuradas com uma capacidade ímpar de direção de atores.

tumblr_ocu6yjkmcd1qej1i6o1_1280

“ARRIVAL” é mais que uma ficção científica. Muito mais. Alias, essa classificação, para mim, não convém. O mote da propalada invasão alienígena é apenas um catalisador de situações que vão criar o substrato para que o roteiro habilmente escrito de Eric Heisserer.

mv5bmty1nzk4odc5ov5bml5banbnxkftztgwmja0ndq1mdi-_v1_sx1500_cr001500999_al_

Amy é Dra. Louise Banks, uma linguista recrutada pelo exercito americano para tentar estabelecer contato com os alienígenas que aportaram em uma Nave em forma de concha em Montana e em outras 11 localidade ao redor do globo. Com uma mensagem para alguns utópica e otimista de união mundial, consegue imprimir tensão na reação humana ao desconhecido inesperado de forma fantástica.

bildschirmfoto-2016-08-16-um-17-27-55

Utilizando dentro da linha de montagem os bem inseridos “falshbacks” que mais tarde torna-se outra coisa, a fotografia de Bradford Young intensifica a tensão dramática existente em super close claustrofóbicos, câmeras fechadíssimas, criando uma “palíndromo” metalinguístico de imagem, “não apenas para provocar o espectador, mas também para despertar sua inteligência crítica” (STAM, 1981, p.23). Alguns plano claramente espelhados em obras de Terrence Malick, são surpresas a parte.

arrival

A infraestrutura narrativa, é o próprio plot twist da história em si. Quando, somos jogados na informação de que a barreira linguística de Banks remete a compreensão do tempo em quanto algo cíclico e inexorável, o filme se reestrutura em nossas mentes. Não dá para classificar, o presente – passado e futuro, senão a própria representação das escritas que Banks tenta desvelar. E Denis, em metáfora elíptica apresenta os conceitos em blocos soltos que a medida que nos aproximamos do fim, conseguimos preencher as lacunas. “Imagens são mediações entre homem e mundo. O homem “existe”, isto é, o mundo não lhe é acessível imediatamente. Imagens têm o propósito de representar o mundo. Mas, ao fazê-lo, entrepõem-se entre mundo e homem. Seu propósito é serem mapas do mundo, mas passam a serem biombos. O homem, ao invés de se servir das imagens em função do mundo, passa a viver em função de imagens” (FLUSSER, 1983. P.7).

arrival-movie-review

Elegante, dolorido, profundo. Um parto. Talvez exatamente por se assemelhar a um parto, para mim, tenha sido tão intenso. Senti as angustias, medos e duvidas de Banks. Senti sua dor. Senti que seu coração. O tempo, nos atravessa. Nos muda. Transforma. Merecedor de cada indicação, e fortíssimo candidato a melhor filme do ano.

Estrelas Negras

estrelas-alem-do-tempo

opinião

POR CAROLINE ARAÚJO

 

Todo ano temos filmes que estruturam suas forças narrativas em algumas bandeiras que por muitas décadas figuravam como tabus sociais. Mesmo tendo avançado em questões tecnológicas, socialmente o mundo parece mais arcaico que outrora. Implosões étnicas afloram feito larvas, carcomendo avanços sociais de lutas onde muito sucumbiram, sem perder a ternura, claro.

hf-gallery-02-gallery-image

“HIDDEN FIGURES – Estrelas Além do Tempo”(2016) dirigido por Theodore Melfi que também assina o roteiro, narra a história verídica de três mulheres negras, com três mentes igualmente incríveis, que em plena corrida espacial ocorrida na décadas de 50 e 60, trabalham na NASA. Nessa época, a Agência Espacial Americana tinha os chamados “computadores humanos”, mulheres negras que eram contratadas para fazerem os cálculos e análises de trajetórias.

hiddenfigures3

De maneira direta e sem muitos floreios ( o que vejo como ponto positivo) o filme foca a história de três dessas mulheres que fizeram a diferença, venceram preconceitos e hoje são reconhecidas pelos seus feitos: Katherine G. Johnson (Taraji P. Henson), Dorothy Vaughan (Octavia Spencer) e Mary Jackson (Janelle Monáe). Desde o início percebemos que a cereja do bolo no formato dramático adotado para contar a história é um foco em Johnson, mas com o desenvolvimento da narrativa, Vaughan e Jackson ganham amplitude, e , cada trajetória agrega um olhar diferente e que completa a trama como um todo.

hidden-figures-assista-o-primeiro-trailer-do-filme-2

O mais bonito de se ver, são as atuações dessas três pérolas negras. Lindas, fortes, precisas. O elenco de apoio, também conta com bons nomes como Kevin Costner que ao personificar uma espécie de “mentor” para a personagem de Taraji P. Henson, como o diretor da NASA Al Harrison. Os diálogos entre os dois são as melhores do filme ao mostrarem toda a diferença de oportunidade entre ambos – um homem branco e uma mulher negra – apesar da paixão em comum pelos números.

694940094001_5273242400001_why-hidden-figures-is-out-of-this-world

Kirsten Dunst com sua cara de nojinho peculiar é irritante ao extremo ( de um jeito positivo). Vemos claramente em suas ações o tamanho do preconceito velado e hipócrita existente naquela época.

2016%2f12%2f23%2f8110f3a7-5afc-480f-a073-e948fa7f8717

Não é um filme denso, não levanta bandeira social, apenas mostra. O que é melhor: não faz dessas mulheres extraordinárias vítimas desse preconceito nefasto. O foco é o fato de que a cada derrota, a cada puxada de tapete que seja, elas levantavam, educadas, fortes e potentes. Muito mais habilidosas e inteligentes que muitos brancos em seu tempo, fossem homens ou mulheres.

20242702_agd9s

Percebam como é tênue a linha que “Hidden Figure”s transitou. Um filme sobre mulheres trabalhando na NASA. Mulheres NEGRAS. Mulheres que mudaram a história e que por mais de 50 anos tiverem suas historias sem o conhecimento do mundo. Ou seja, a sociedade continua tacanha como outrora.

Hidden Figures Day 13

_DSC0354.ARW

Henson e Spencer foram nomeadas ao Oscar e concorrem no próximo dia 26 de fevereiro. O brilho de suas performaces, a vivencia de suas personagens, são absolutamente a força desse filme. Elas não abaixam, só crescem, e crescem a medida que suas personas vão ganhando força na história, quebrando amarras e mostrando o que elas tem de melhor. Theodore Melfi nos brindo com uma belíssima e poderosa história, dessas que faz bem assistir.

CITY OF STARS

og

Em cartaz   e Aposta de Prêmios

Por Caroline Araújo

 

Quando os irmãos Lumiére abriram ao mundo as portas da imagem movimento, ha pouco mais de 100 anos, sem querer querendo, além da extraordinária possibilidade de documentação da realidade, eles deram asas à um mundo extraordinário do encantamento. De maneira “mágica”; compreender as engrenagens de como capturava as imagens em seus movimentos reais tornou-se obsessão de muitos artistas e cientistas ao redor do mundo. E essa obsessão levou gradativamente que cada avanço rumo ao controle da realidade intrínseca daquele espaço tempo gravado numa película, criassem eras. O cinema aos poucos torna-se espetáculo. Uma fração de tempo onde simplesmente ia se assistir algo que acalentava “a alma.

image

Após os primeiros 30 anos do surgimento do cinema em 1927, aparece o primeiro filme com trilha Sonora sincronizada e, não por acaso, tratava-se de um musical: “The Jazz Singer”. Imediatamente os produtores perceberam quão rentável era este novo gênero fílmico, e os investimentos crescem e aparecem. A chamada era de ouro dos musicais iniciou-se logo após a II Guerra Mundial e foi até os primeiros anos da década de 1960. O mundo todo mudando, e o interesse no gênero diminui significativamente. Contudo, passava alguns anos, um director, ou produtor, acabava por trazer um novo musical, como “Molin Rouge”, “Cabaret”, “Nine”, “Chicago”, apenas para citar alguns mais recentes. Todos com o grande ardor de extrair de seus atores atuações vibrantes e criar trilhas sonoras que geravam desdobramentos de dividendos posteriormente.

LLL d 33_5542.NEF

Então, chegamos ao ponto em que com certeza você já deve ter ouvido todos os elogios possíveis para La La Land: Cantando Estações (2016) novo filme do menino prodígio Damien Chazelle  do eleogiado Whiplash: Em Busca da Perfeição”(2014) e que tem apenas 31 anos. Mesmo que você não seja um apreciador de filmes desse gênero, é impossível ficar impávido com uma impressionante sequência em uma rodovia em direção a Los Angeles. Centenas de carros travados em um dos engarrafamentos tão comuns à cidade. Aos poucos, jovens começam a deixar os veículos e cantar. Percebemos que se tratam de aspirantes a artistas que peregrinam do mundo todo em direção ao sonho de una carreira na Meca do cinema. Chazelle cala quem achou que ele estava louco ao entrar nessa empreitada. Cria uma sequencia estonteante, marcada, ensolarada e vibrante, com imperceptíveis cortes, em uma sequencia sem interrupção tão absurda e linda. De forma honesta “La la Land” nos conduz aos bastidores da indústria cinematográfica. Metalinguagem derramando na tela.

la-la-land-cantando-estac%cc%a7o%cc%83es-trailer

A história criada por Chazelle é simples ( sim ele também escreveu!!), mas o roteiro é complexo – assim como em Whiplash. A estrutura de boy meets girl, , é a adotada pelo cineasta, mas são nos diálogos onde o filme ganha verdadeiramente vida. O frescor com que Chazelle conta esta história, utilizando-se do respaldo de todos os envolvidos, faz toda a diferença para o êxito do conjunto todo. As cores que o figurino explora tão habilmente, a direção de arte milimétrica, criam uma atmosfera de fantasia, como conto de fadas. Pessoas apaixonadas, a hesitação do primeiro beijo, tão envolvidas que chegam a flutuar no ar, cantam e sapateiam como se a vida fosse assim. Mas mesmo todo esse amor que vai numa crescente estação a estação, possui o contraste de situações corriqueiras, que trazem tanto a doçura quanto o amargor em um timming tão fantástico que somos tocados por essa bela história de amor.

lalalanddestaque

Ryan Gosling e Emma Stone. São lindos. Buscam os seus lugares ao sol. Um pianista purista de jazze uma aspirante a atriz que trabalha de barista na Warner bros. São tão cheios de sonhos que é justamente a energia desses sonhos que cria a sinergia que os impulsiona a irem além.

la-la-land

Ryan é Sebastian, e o diretor utiliza a trajetória da personagem fiel artisticamente ao que o jazz significa para ele, para levantar a eterna discussão, do que é vendável, do que é legítimo artisticamente, do que é apreciado, se torna um dos temas pulsantes do roteiro. Gosling empresta seu semblante de cachorro caído da mudança de forma espetacular. Cantar, dançar e interpretar como o faz é um esforço audaz e percebemos isso no tom de seu personagem. Forte candidato ao Oscar deste ano.

056676-jpg-r_640_360-f_jpg-q_x-xxyxx

Stone é Mia. É nas decepções da personagem que a atriz se abre verdadeiramente, e podemos ver o paralelo entre ficção e realidade, já que Stone também abandonou tudo e se mudou para Hollywood buscando o estrelato e provavelmente passou por situações semelhantes as de Mia. Ela brilha tão efusivamente que seus olhos são duas gemas cheias de sentimento nos longos planos de close up que somos brindados. Stone acaba de ganhar o SAG e se torna a principal aposta para o Oscar.

20161215-lalaland

Chazelle procurou recriar planos e cenas que se tornaram memoráveis em grandes musicais do passado, produzindo uma obra prima que é uma ode a Los Angeles, a cidade dos sonhos. O filme emprega imagens do passado da cidade, registrada nos muros e fachadas de Hollywood, nos cartazes e outdoors. Em um travelling logo no inicio (lindíssimo devo dizer) quando Mia caminha para casa, ao passar por uma parede onde vemos ícones de personagens pintados a câmera distancia ao compasso da musica que chama a tenção de Mia e a faz entrar e em fim, encontrar o triste pianista a se apresentar.

447800

A montagem é um primor a parte. Dinâmica, para lá de poética, cada gesto dos atores é milimetricamente calculado o que demonstra que Chazelle usa TODOS os elementos técnicos do cinema a favor da sua história e com muita maestria.

E a montagem tem outro timming em conjunto com a primorosa trilha sonora. O Tema de Seb`s e Mia ecoa na mente. Doce, triste e brilhante. Embarga a garganta. O Jazz agradece o spotlight e, o público, o deleite auditivo.

la-la-land-633x356

A trajetória da atmosfera dramática contada por meio das estações do ano, guarda os subtextos de questões que o próprio Chazelle abordou em Whiplash, como a colisão da vida profissional e a vida pessoal, como se fosse impossível que ambas possam coexistir. O mundo cínico que o diretor cria não é nem frio, nem quente, pois temos o arrependimento do que poderia ter sido como uma de suas conclusões.

20161215-la-la-land-featured-image-gosling-stone

Alias, a sequencia final, que mostra justamente isso foi um soco no meu estomago. Senti meus olhos marejarem, pois eu senti o rebobinar de Mia ser meu e tenho certeza que muitos também assim o sentiram. Quantas e quantas vezes ao nos deparar numa escolha, ou num futuro, encarar algo do passado, não somos envoltos numa saudosa tristeza do “ e se” ? As lágrimas inundaram silenciosamente a minha alma.

ryan-gosling-la-la-land

Feito com um primor, “La la Land” é uma celebração ao cinema, e sim, ao amor. Aqueles possíveis. Aqueles que escolhemos. Aqueles que não temos nos braços, mas que vamos amar enquanto respiramos. Deixem o coração de vocês serem invadidos pelo deleite visual e auditivo ( enquanto escrevo ouço a trilha no youtube para ajudar nas lembranças afetivas). E sim, “La la Land” é o filme que precisávamos ha um bom tempo. As indicações e os prêmios que vem abocanhando só coroam essa trajetória esfuziante. Que bom que veio. Corram para os cinemas com um grande balde de pipocas e uma caixa de lenços. Faz tempo que não fica tão feliz em sair de uma sessão. =)

lalaland-ryan-gosling-emma-stone-kiss-1

O valor do Silencio

573260

Indicação VOD ou Vídeo locadora

por Caroline Araújo

 

É inegável que o gênero de espionagem sofreu uma rotação gigantesca com a a trilogia do ex – agente secreto que perde a memória. Uma espécie de novo James Bond, só que, mais violento, com sangue nos olhos e sem tantas firulas inventivas ou “bond girls”. As mulheres também metem porrada. A trilogia Bourne foi sem duvida um dos maiores sucessos do inicio dos anos 2000, e era redonda, encerrando de forma precisa o arco do protagonista com a icônica imagem do personagem nadando no final de “O Ultimato Bourne”. Mas parece que, a onda de trilogias que não tem fim, acabou gerando o quarto filme baseado no desmemoriado “o Legado de Bourne” e que não foi bem recebido ou visto como os anteriores.

jason-bourne-gun

Entretanto, isso não intimidou Paul Greengrass, que muito mais experiente do que quando assumiu a direção em 2002 de “A Supremacia Bourne”, quase 10 anos após o ultimo filme da franquia, volta a direção e agora como co – roteirista no quinto filme que trás Matt Damon incorporando o agente mais procurado da CIA.

jason-bourne-gallery-06

Em “Jason Bourne”(2016) Matt Damon tem um total de 25 falas. Greengrass disse numa entrevista ao Guardian que já tinha consciência desse silêncio nos filmes anteriores; e, para ele o que define Bourne é a violência e as situações de ação. Mas o silencio é muito mais diegético. Ele expõe de forma languinar a inabilidade do personagem central em botar para fora seus traumas, angustias e motivações. Ao mesmo tempo, o silencio funciona como personagem, pois, a discussão que este quinto filme trás a tona perpassa por temas de anarcoativismo, excessos de vigilância e invasão de privacidade institucionalizada, onde, o silencio de um certo conformismo (ou seria um deixa disso) de grande parte da população, não cria um debate salutar sobre ( algo que a cada dia se torna mais urgente de debate). Quando na primeira aparição de Bourne se faz e vemos ele numa espécie de luta clandestina na fronteira de países no canfundó da Europa, é inevitável fazermos a comparação de como o tempo passou para esse cara.

view-3

É interessante ver como o roteiro pincela a panela de pressão que esta a geopolítica atual, quando, coloca a primeira perseguição de cenas de ação numa sequencia incrível em meio a um gigantesco protesto na Grécia. Esse tipo de escolha concede ao filme um realismo, criando um canal de conexão dos personagens fictícios com o mundo real. Essa conexão é extremamente sagas, pois ambientando essas ações reais dentro da ficção, vai descamando as abordagens sobre as questões de segurança, espionagem e a conectividade no mundo virtual, uma espécie de “vigilância líquida” onde todos e tudo são vigiados 24horas. – hoje o virtual é o caminho mais fácil para a própria espionagem e a própria internet e o hackerismo que combatem isso.

Jason Bourne (2016)

É curioso que Greengrass utiliza esse conceito de espionagem inclusive para saber como usar a câmera. Muita utilização de câmera livre, com objetivas longas, sempre a espreita e a procura de alguém como se; estive a observar o que ocorre. Nas cenas de ação que geralmente são frenéticas, neste filme conseguimos ter uma visão intensa e mais clara. Entretanto, a montagem, ficou um tanto enfadonha, monótona, tirando o ritmo que buscou-se criar. O roteiro também tem falhas, é uma espécie de “um fiapo da história que tenta-se fazer um outra história”. O que pode se esperar disso? Barrigas no arco dramatico, e uma atmosfera que vai até certo ponto e não diz à que veio.

jason-bourne-gallery-13

Alicia Vikander, interpreta Heather Lee, uma professional da CIA que tem uma penumbra dúbia, uma self – made woman, ambiciosa, determinada, mas ainda sim, meio perdida nas ações. Sua atuação é correta, dentro da amarração feita por Greengrass; mas tinha potencial para ser muito melhor.

jason_bourne_alicia_vikander

Eu acredito que o trunfo ( alguns não acharam) deste quinto filme Bourne é podermos ver nas nuances (sem falas) interpretativas e tão bem personificadas de Matt o envelhecimento do personagem. Algumas criticas colocaram que ele era um mero coadjuvante. Agora, se coloca no lugar dele. Sem memória, boa parte da sua vida adulta dos últimos 20 anos foi tentar descobrir quem é de verdade. Sem família, sem amigos, sem poder confiar de fato nem na sombra. Praticamente uma poeira cósmica. O silencio dessa alma perturbada é o maior grito de socorro que pode existir. A inexpressividade numa rinha humana lá no cafundó da fronteira da Europa, demonstra que tanto faz, morrer ou viver. Não sobrou nada além da não memória. Se pensarmos per esse prisma, Matt nos da um Bourne maduro, amargo e perfeito.

jason_bourne_infobox

Mesmo sendo um filme que não precisava ser feito, ele é um thriller de espionagem sólido, com uma boa fotografia e tratamentos sonoros bacanudos, vale uma pipoca, mas também demonstra as franquias que precisamos mais que fiapos de história para fazer continuações.

 

 

 

SPOTLIGHT no SPOTLIGHT

cartaz spotlight

SPOTLIGHT no SPOTLIGHT

 

OPINIÃO

 

POR CAROLINE ARAÚJO

 

Nesse turbilhão de arrasa quarteirão e franquias infindáveis que virou “tendência” no cinemão comercial mundial, quando um filme onde praticamente a orbita dramática circunda uma mesma locação e você tem diálogos cheios de tensões e interpretações; você entende o que D. W. Griffith fez ao colocar o close up em “The Birth of Nation” (1915). Contudo, quando em dias atuais nos esbarramos em filmes de textões e cheios de jornalistas, parece que estamos em 1970, no auge das produções de dramas investigativos jornalísticos que bombaram naquela década.

spotlight-movie

“Spotlight – Segredos Revelados”(2015) é o refresco para a memória de que mesmo na contemporaneidade dos super estímulos da audiência, uma boa ideia cuja estruturação nevrálgica centre na tessitura de um roteiro profundo e muito bem arrematado, garante a atenção do espectador tanto quanto um show de pirotecnia. E com um adendo: será um filme que não morre em si, mas, reverbera, tem desdobramentos sociais, transborda o signo fílmico e produz um devir cinema.

S_05491A

Seguindo o convencional de uma narrativa linear, Tom McCarthy conduz o publico nessa caçada da verdade, colocando bloco a bloco a construção de uma curva narrativa ascendente que absolutamente vai nos levar as nossas inquietações. Baseado em uma história real – que deu origem ao livro, vencedor do Pulitzer –, escrito pelo mesmo time que participou da apuração do caso que chocou o mundo sobre a série de relatos de pedofilia praticados por membros da Igreja Católica na cidade de Boston – EUA, a película posiciona o espectador dentro da redação e nas ruas, desvelando os fatos e se perguntando tao qual os jornalistas na tela “como puderam acobertar tudo isso?

HT_spotlight_scene_01_jef_160222_4x3_992

A atmosfera de bastidores da notícia inebria. Temos múltiplos protagonistas, cada qual com seu ponto de visão e seu peso somando ao tom que o arco dramático necessita. Não temos floreios, temos realismos. A direção de arte recriou um 2001 tão perfeito, que só nos damos conta de que faz tanto tempo, quando vemos as coisas “obsoletas” ou ultrapassadas na tela.

Michael-Keaton

É inevitável a comparação com o clássico “Todos os Homens do Presidente”, e Tom não nega a influencia. E nem precisa. É sóbrio nas escolhas da direção e soube abrilhantar o elenco peso pesado que tinha em mãos. Como uma orquestra afinadíssima, Michael Keaton, Rachael MacAdams, Liev Schreiber, Stanley Tucci e Billy Crudup fazem uma festa de interpretação de encher os olhos. Eles vestiam de jornalistas tão realisticamente que foi impressionante. Mark Ruffalo é um caso a parte. Seu jornalista apaixonado é outra excelente atuação cheia de vida e que lhe rendem criticas merecidas. Além das indicações nas maiores premiações.

Stanley-Tucci-Spotlight-movie

Com uma opção simples para construção dos enquadramentos e movimentos de câmera, Tom grita em alto e bom som a verve de seu filme: MENOS É SEMPRE MAIS. Menos firulas, Mais História. Menos efeitos desnecessários, Mais Brilhantes atuações. E por ai vai. Mas nem por isso temos uma fotografia ruim. Pelo contrário. A cor impressa na imagem tem um leve desbotar, como se, o frio de Boston tocasse a tela. Ou a perda da inocência de milhares de crianças que foram molestadas, desfalecesse a cor da imagem. É sutil. Mas é lindo.

Spotlight-Clip-02

No fim, temos um filme sobre os homens, seus pecados e o castigo.

ESTA É UMA TERRA DE LOBOS

255829

OPINIÃO

 

POR CAROLINE ARAÚJO

 

 

A arquitetura dramática de um filme deriva do tom de direção. Dennis Villeneuve, vem gradualmente ganhando espaço na safra de diretores contemporâneos que sabem exatamente a tensão a qual desejam levar seus espectadores. Sua fama tem lógica comprovada. Basta assistir “Incendios”, indicado aos Oscar de melhor filme estrangeiro em 2011 ( eu revejo as cenas desse filme vez ou outra na mente) e “Os Suspeitos” com Hugh Jackman e Jake Gyllenhaal.

sicario-hed-1200x675-600x400

Dennis não foge as suas origens ao assinar a direção de “SICARIO” (2015), realismo e ótimas atuações são armas na mão desse diretor para transformar a película num interessante filme sobre crime. Contudo, mesmo com a brilhante e enervante construção do clima tenso necessário à história, o roteiro do estreante Taylor Sheridan não corroborou para que o produto final tivesse um brilho esfuziante.

Sicario-Movie-1

Moralidade e ambiguidade são palavras de ordem para Dennis que as coloca como diretrizes nos planos fotográficos, produzindo imagens marcadas e crispadas do celebrado diretor de fotografia Roger Deakins. Dessa forma, sem que percebemos somos desestabilizados, incomodados, e tudo na mais perfeita intenção da direção.

A história nos trás a agente do FBI Kate Macer, incrivelmente interpretada por Emily Blunt. Macer é usada pela CIA como forma a legalizar as ações ilegais da agencia no território norte – americano na caçada perdigueira ao cartel mexicano que esta lavando a égua nas terras do tio San. Macer se encontra literalmente no meio de uma guerra de atrito, tanto CIA quanto Cartel usam terror e selvageria como tática para justificar seus fins; algo que vai totalmente ao oposto do que Kate acredita ser correto. Nessa teia maquiavélica, os fins estão sempre justificando os meios, e assim, temos o núcleo de toda tensão fílmica.

2AEAA00F00000578-3177951-image-a-13_1438124681258

Contudo, vale ressaltar que “SICARIO” esbarra num ponto. A superficialidade das ações. Dennis trabalha habilmente como lhe é corriqueiro a imersão do espectador dentro desse ambiente tenso de crimes, nos coloca como baratas tonas tais quais a agente Macer por ir dando “pistas” do que esta acontecendo e do que pode acontecer e isso nos prende, até um momento. Porque ficamos empatados numa questão de entender melhor. Ninguém curte ficar as cegas. E quando chegamos no derradeiro desvelar, percebemos que todos os dispositivos trabalhados nos levam a falta de profundidade do texto, onde temos mexicanos retratados como capangas, tais quais filmes genéricos de ação executam.

521532.jpg-r_640_600-b_1_D6D6D6-f_jpg-q_x-xxyxx

E a questão dos abusos de poder cometidos pelo americanos para justificar suas ações de limpeza da criminalidade soa de forma sarcástica na interpretação – ótima vale ressaltar – de Josh Brolin como líder desse esquadrão de faxina.

Benício Del Toro chama atenção pela sorumbática interpretação. Um misto de mistério e tensão (sim tensão é palavra de ordem nesse filme) fazem com que seu personagem, Alejandro, conduza a investigação por parte do publico para esperarmos até o final onde é que aquilo que estamos assistindo vai chegar. Del Toro como sempre tem um tom preciso. Na verdade, ao fim entendemos que ele é a personificação do SICARIO, por assim dizer. “Esta é uma terra de lobos” ele afirma. E ele é o super lobo.

513875.jpg-r_640_600-b_1_D6D6D6-f_jpg-q_x-xxyxx

“SICARIO” é um bom filme, com certeza. Tecnicamente bem feito, bem interpretado e bem dirigido, entretanto; as falhas de roteiro fazem com que o filme, que tanto fala da dubiedade moral nos Estados Unidos, também assuma uma postura questionável perante o próprio universo que apresenta, como se ele próprio também tivesse algo a mascarar. Mas vale um bom balde de pipoca. =)

20151002hoSicario-Blunt